Ninguém nos ensinou a envelhecer. Os anos passam, as rugas evidenciam-se e as mazelas físicas e mentais começam a surgir. Tentamos negar a evidência e só quando as doenças se revelam como verdadeiros entraves na nossa vida diária, procuramos apoio médico. Passamos a vida na contenção, porque raramente olhamos uma outra perspetiva, a prevenção. Talvez, por que as próprias estruturas que têm obrigação de trabalhar na prevenção, também estejam focadas para o fim de linha. Nas escolas começamos a dar os primeiros passos no que diz respeito à alimentação, no entanto quer esta, quer a atividade física ainda não são devidamente valorizadas. Na saúde estamos a passos largos da prevenção, porque os recursos escasseiam para conseguirem atuar a montante.
Vários dados sugerem, ainda, um longo caminho a percorrer na mudança cultural para o envelhecimento ativo:
Em 2020, segundo dados da Pordata, o índice de envelhecimento em Portugal era de 165 idosos por cada 100 jovens.
A alimentação inadequada é responsável por cerca de metade das mortes e da incapacidade causada pelas doenças cardiovasculares e pode custar à economia da União Europeia 102 mil milhões de euros por ano. Em Portugal, cerca de 35 mil portugueses morrem anualmente por doenças cardiovasculares, que continuam a ser a principal causa de morte e representam um terço de toda a mortalidade da população, embora muitas dessas mortes e desse sofrimento prolongado pudessem ser evitados por uma mudança simples nos hábitos alimentares. E estas doenças não estão só nas camadas mais envelhecidas da população. Estão evidentes em idade adulta e população ativa. E mais preocupante nos jovens. Considerada como uma epidemia a nível mundial, o excesso de peso e obesidade afetam cerca de 5 em cada 10 pessoas, sendo responsável pelo menos por 2,8 milhões de mortes anualmente, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.
De acordo com o INE, em 2019, 4,6 milhões de Portugueses (36,4% da população) tinha excesso de peso e 1,5 milhões Obesidade (16,9% da população), representando um aumento face a 2014.
A agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável prevê no objetivo para a saúde e bem-estar: “até 2030, reduzir num terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar.”
Embora não existam indicadores mais atuais, podemos inferir pela conjuntura de dois anos de pandemia e sucessivos confinamentos que implicaram interrupções na vida diária das pessoas, que estes números deverão ter-se agravado.
O que importa fazer para garantir uma longevidade com qualidade?
Por um lado, temos que reaprender o nosso estilo de vida para que o nosso envelhecimento seja mais sustentado. E envelhecer, não é pensar onde estaremos daqui a uns anos. Envelhecer é um processo diário e está a acontecer minuto a minuto, hora a hora.
Temos que evitar os fatores de risco como a hipertensão, tabagismo, stress, diabesidade, dislipidemia e sedentarismo e adicionar o exercício regular, a alimentação equilibrada, o peso adequado e uma boa pressão arterial.
Culturalmente, depositamos nas instituições a responsabilidade de um envelhecimento sustentado, mas estas deverão ser as ferramentas para a prevenção e o querer e a ação deverá estar em cada um de nós.
Há que reprogramar o nosso software mental para a prevenção da saúde física e mental. E reprogramar passa por analisar quais as nossas rotinas, os nossos hábitos, o que fazemos bem, o que fazemos mal e depois passo a passo desconstruir velhos hábitos para conquistarmos mais energia, mais mobilidade, mais autoestima, caminhando para uma nova forma de longevidade.
Na minha atividade profissional as pessoas recorrem a mim, entre outros motivos, porque querem ficar com o corpo perfeito. Quando questiono o que é o corpo perfeito, aparecem os estereótipos, aparecem as imagens comerciais de beleza e bem-estar que o mercado promove. E que na verdade, estão num patamar que parece quase inatingível e cujo sucesso para as alcançar é muitas vezes inglório.
Não pode interessar o imediato, mas sim o consistente. A alteração profunda de um estilo de vida que nos traz um equilíbrio físico e emocional superior. A consistência está em perceber o que se quer, como se quer envelhecer e a atuação de modo sistémico. Primeiro a mente, desprogramar para voltar a programar e depois sim, a ação para concretizar os objetivos a que nos propomos. Se fazemos isto em várias áreas das nossas vidas, o que nos impede de fazê-lo nesta área que, afinal, dita tudo o que nos vai acontecendo?
O envelhecimento ativo deve ser um tema do século XXI, isto porque as pessoas têm uma maior esperança média de vida (segundo dados do INE, no triénio 2018-2020, a esperança de vida à nascença para Portugal foi estimada em 78,07 anos para os homens e em 83,67 anos para as mulheres) e a ciência já dispõe de um portfólio de respostas no apoio à longevidade.
As questões são: estará o indivíduo consciente de que a longevidade com qualidade depende em grande parte de si próprio? Estará o indivíduo preparado para aceitar que o envelhecimento pode ser menos doloroso do que se preconiza?
Sabemos que é um caminho para um fim, mas se o conseguirmos fazer com a melhor qualidade possível, teremos a certeza de que valeu a pena cuidar de nós e cuidar de quem está à nossa volta. A mudança de mentalidade dependerá de nós, assim como, incutir nas novas gerações uma nova forma de pensar e sentir em relação à saúde e ao envelhecimento ativo.
Artigo publicado no Semanário Digital do NotíciasLx, edição de 03/04/2022.